O fim da doação de quotas pelo valor contábil em holdings?

Uma estratégia de planejamento sucessório historicamente difundida consistia na doação de quotas de uma holding familiar pelo seu valor patrimonial contábil, significativamente inferior ao valor de mercado dos ativos da empresa. Essa prática, contudo, sempre esteve na mira das administrações tributárias, que a consideram uma subavaliação artificial da base de cálculo do ITCMD.

A posição do STJ: o valor de mercado prevalece

A controvérsia chegou aos tribunais superiores e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se posicionado a favor da Fazenda Pública (REsp nº 1.937.821). O entendimento é claro: a base de cálculo do ITCMD na doação de quotas de holding deve refletir o valor real de mercado dos ativos, e não o valor contábil. A corte também afirmou que o Fisco tem a prerrogativa de arbitrar a base de cálculo caso verifique que o valor declarado é incompatível com a realidade (art. 148 do CTN), o que gera profunda insegurança jurídica, especialmente por colidir com legislações estaduais que preveem o valor patrimonial.

Alíquotas maiores sobre bases maiores

A posição do STJ, combinada com a obrigatoriedade da progressividade do ITCMD, afeta relevantemente o planejamento via holding. Assim sendo, não apenas a alíquota do imposto será maior, mas ela incidirá sobre uma base de cálculo também substancialmente maior.

Isso transforma a doação de quotas, antes um pilar do planejamento, em uma operação que pode se tornar mais onerosa do que a sucessão direta dos bens. A escolha do melhor caminho deixa de ser uma regra geral e passa a exigir uma análise matemática rigorosa. A principal ferramenta de defesa do contribuinte contra avaliações fiscais excessivas passa a ser a produção de laudos de avaliação de mercado robustos e independentes, tornando o planejamento sucessório uma atividade ainda mais técnica e multidisciplinar.

O Projeto de Lei Complementar nº 108, de 2024

O Projeto de Lei Complementar nº 108, de 2024, é uma das propostas legislativas mais importantes no contexto pós-Reforma Tributária. Seu objetivo é estabelecer normas gerais para diversos tributos, incluindo uma regulamentação nacional do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), buscando preencher as lacunas e uniformizar as regras que variam drasticamente entre os estados.

O PLP 108/2024 foi apresentado pelo Poder Executivo e, após tramitação e aprovação na Câmara dos Deputados em 2024, foi encaminhado ao Senado Federal para revisão e votação, onde encontra-se atualmente na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), sob relatoria do Senador Eduardo Braga (MDB/AM). O projeto está, portanto, em uma fase crucial de seu processo legislativo, com seu conteúdo sendo debatido e podendo receber emendas no Senado.

Um dos pontos centrais do PLP 108/2024 é a definição da base de cálculo do ITCMD, pacificando a controversa discussão sobre o uso do valor contábil versus o valor de mercado, especialmente na doação de quotas de empresas. O projeto busca alinhar a legislação à jurisprudência já consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ), regulamentando a questão da seguinte forma:

  1. Adoção expressa do valor de mercado: O texto do PLP estabelece que a base de cálculo do ITCMD é o valor de mercado do bem ou direito transmitido na data do fato gerador (data da doação ou do falecimento).

  2. Critérios para participações societárias: Para o caso específico de quotas ou ações de empresas que não são negociadas em bolsa de valores (como holdings familiares), o projeto é explícito: o valor das participações será apurado por meio do Patrimônio Líquido Ajustado. Esse ajuste consiste em avaliar os ativos e passivos da empresa de acordo com seu valor de mercado.

Em outras palavras, o PLP 108/2024 encerra a possibilidade legal de utilizar o valor histórico ou contábil dos bens de uma holding para calcular o ITCMD na doação de suas quotas. A regra, se aprovada, torna obrigatória a realização de uma avaliação (valuation) da empresa, refletindo o preço real de seus ativos no momento da transmissão.

Essa definição visa trazer segurança jurídica, eliminando a principal tese de planejamento que gerava litígios, mas, por outro lado, confirma a incidência do imposto sobre uma base de cálculo substancialmente maior, impactando diretamente o custo do planejamento sucessório no Brasil.


Referências

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar nº 108, de 2024. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2438459 [acesso em: 12/06/2025].

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.937.821 – SP. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=146418131&registro_numero=202000120791&peticao_numero=&publicacao_data=20220303&formato=PDF [acesso em 11/06/2025].

VERA, Andres. Reforma tributária e ITCMD: nova regra da base de cálculo traz segurança jurídica?. In: Jota. Disponível em: https://www.jota.info/tributos/reforma-tributaria-e-itcmd-nova-regra-da-base-de-calculo-traz-seguranca-juridica [acesso em 12/06/2025].

Paulo Eduardo Frederico

Doutorando pelo Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Foi bolsista de doutorado pelo Programa de Excelência Acadêmica da Capes e de iniciação científica pela Fapesp. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da USP com período de intercâmbio acadêmico na Universidade de Munique, na Alemanha (LMU).

Membro acadêmico associado da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC). Membro da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP). Membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP).

Presidiu, em 2024, a Comissão de Direito Civil da 101ª Subseção da OAB/SP.

Advogado em São Paulo.

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