Holdings e IVA Dual: o novo custo da locação de imóveis
A reforma tributária não se limitou aos impostos sobre o patrimônio. A criação do IVA Dual — composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) federal e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) estadual/municipal — reconfigura a tributação sobre o consumo e atinge diretamente as operações das holdings, especialmente as imobiliárias. A lógica do IVA é tributar de forma ampla consumo e serviços, e, sob essa ótica, o pagamento pelo direito de usar um imóvel (aluguel) passa a ser considerado uma transação tributável, encerrando um paradigma de tributação mais branda para o setor.
O novo custo da locação: um salto na carga tributária
No sistema anterior, as receitas de aluguel de uma holding no Lucro Presumido eram submetidas a uma alíquota combinada de PIS/COFINS de 3,65%. Com a reforma, a locação de imóveis foi expressamente incluída no campo de incidência do IBS e da CBS.
Para evitar um aumento excessivo, a Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, estabeleceu um redutor de 70% sobre a alíquota padrão do IVA Dual para as receitas de locação (art. 261, parágrafo único, da LC 215/2025). Mesmo com esse benefício, o custo fiscal da operação aumentará significativamente. Simulações de mercado indicam que a carga tributária total sobre a receita de aluguel (IBS/CBS + IRPJ/CSLL) saltará para novos patamares. Em uma simulação conservadora, o aumento mostra-se superior a 15%, mas cenários com alíquotas de IVA ligeiramente maiores podem elevar o custo fiscal total em patamares ainda superiores.
Para ilustrar o impacto da nova sistemática tributária, o gráfico a seguir demonstra a variação da carga tributária incidente sobre as receitas de locação de imóveis próprios por uma holding imobiliária. A análise confronta o regime anterior (PIS/COFINS, IRPJ/CSLL no Lucro Presumido) com o cenário pós-reforma, que adota uma alíquota padrão de IVA (IBS e CBS) estimada em 26,5%, já considerando o redutor de 70% para o setor.
Holding Pura vs. Mista: por que a reforma estimula a reorganização
O novo IVA torna a distinção entre os tipos de holding mais relevante do que nunca.
Holding Pura: Sociedade que apenas participa do capital de outras empresas. Suas receitas estão, em regra, fora do campo de incidência do IVA Dual. Para ela, o impacto direto da reforma do consumo é mínimo.
Holding Mista ou Imobiliária: Sociedade que também exerce atividades operacionais, como a locação de imóveis. Este tipo de holding será diretamente impactada pela incidência do IBS e da CBS.
Manter atividades com tratamentos tributários tão distintos na mesma empresa pode criar uma espécie de contaminação tributária, introduzindo a complexidade do IVA (gestão de débitos e créditos) em uma estrutura que poderia ser simples. A consequência lógica e a estratégia mais defensável pós-reforma apontam para a cisão das atividades. A estrutura ideal tende a ser um ecossistema com uma holding pura para o patrimônio societário e uma ou mais empresas imobiliárias dedicadas para as operações de locação, isolando o impacto do IVA e otimizando a gestão.
Contudo, essa aparente conclusão não é absoluta e merece uma análise mais aprofundada. A submissão ao IVA Dual, embora complexa, ativa a sua principal virtude: a não cumulatividade plena. Ao se tornar contribuinte, a holding mista passa a ter o direito de se creditar do imposto pago em todas as suas aquisições de bens e serviços ligados à atividade de locação. Custos com grandes reformas, construção, serviços de manutenção, segurança, e até mesmo despesas administrativas podem gerar créditos robustos. Para uma holding com um perfil de investimento ativo, que constantemente adquire ou moderniza seu portfólio, manter a estrutura unificada pode se revelar uma estratégia de alta eficiência fiscal, onde o benefício dos créditos supera em muito o custo da gestão do novo sistema.
Gestão estratégica
Mais do que uma mera elevação de alíquotas, a incidência do IVA sobre as receitas de aluguel representa o fim de um paradigma de baixa complexidade fiscal para as holdings imobiliárias. A nova legislação força uma reflexão profunda sobre a estrutura pela qual os patrimônios são geridos no Brasil.
Este novo cenário serve, ainda, como um alerta. Nos últimos anos, muitas famílias foram incentivadas a criar holdings com base em uma visão de curto prazo, focada em benefícios imediatos e sem a devida análise de sustentabilidade. Um planejamento sucessório e patrimonial robusto, contudo, não pode se limitar ao cenário legal do presente; ele deve necessariamente contemplar a possibilidade de mudanças legislativas. As discussões sobre alterações nas regras aplicadas às holdings já eram pauta recorrente nos debates jurídicos. A reforma atual demonstra que a criação de estruturas jurídicas complexas, sem o devido aprofundamento e uma estratégia de longo prazo, pode complicar a gestão patrimonial em vez de simplificá-la.
Neste contexto, a inércia representa um custo duplo: o financeiro, pelo inevitável aumento da carga tributária sobre novos contratos; e o operacional, pela possível contaminação de uma holding patrimonial com a burocracia do novo imposto. A cisão das atividades deixa de ser uma opção de planejamento avançado e se torna uma medida fundamental de boa governança.
Em última análise, a reforma tributária decreta o fim das soluções padronizadas para a organização patrimonial. A decisão entre segregar as operações em uma estrutura cindida ou manter a holding mista para aproveitar estrategicamente os créditos do IVA não pode ser automática. Cada caso exigirá um diagnóstico individualizado, que deverá ponderar fatores como: o perfil dos ativos imobiliários (estáticos ou em constante desenvolvimento), o volume de despesas operacionais passíveis de gerar crédito, a capacidade administrativa para gerir o novo sistema e os objetivos de longo prazo da família ou do grupo empresarial. A verdadeira boa governança residirá na capacidade de realizar essa análise detalhada, transformando o que parece ser apenas um ônus tributário em uma oportunidade para uma gestão patrimonial mais inteligente e eficiente.
Referências
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BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp214.htm [acesso em: 19/06/2025].
FREITAS, Andiara Cristina. O impacto da reforma tributária na locação e venda de imóveis - Reflexões e planejamento da pessoa física. In: Migalhas, 10/06/2025. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/432245/o-impacto-da-reforma-tributaria-na-locacao-e-venda-de-imoveis [acesso em: 19/06/2025].
MENDONÇA, Amadeu Tizei de Souza. Como a reforma tributária vai impactar a locação de imóveis? In: Migalhas, 18/06/2025. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/432749/como-a-reforma-tributaria-vai-impactar-a-locacao-de-imoveis [acesso em: 19/06/2025]
OLIVAN, Fernando. Reforma tributária vai afetar atividades imobiliárias. Veja o que muda. In: Fenacon, 13/05/2025. Disponível em: https://fenacon.org.br/reforma-tributaria/reforma-tributaria-vai-afetar-atividades-imobiliarias-veja-o-que-muda/ [acesso em: 18/06/2025]