Como se preparar para as novas regras do imposto sobre herança
O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) foi um dos alvos da reforma tributária, com alterações que redefinem o custo e a estratégia da sucessão patrimonial no Brasil. As mudanças, introduzidas pela Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023, promovem um aumento da carga tributária e fecham importantes janelas de planejamento anteriormente utilizadas.
A progressividade deixa de ser apenas uma opção
A principal alteração nas regras do ITCMD foi tornar a aplicação de alíquotas progressivas para o imposto obrigatória em todo o território nacional. Antes, a Constituição delegava essa escolha aos estados, resultando em um mosaico de regimes: alguns já adotavam a progressividade, enquanto outros, de grande relevância econômica como São Paulo, aplicavam uma alíquota fixa de 4%, conferindo maior previsibilidade ao planejamento.
A nova regra constitucionaliza um entendimento que o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia validado (Tema 21 de Repercussão Geral), mas com uma diferença fundamental: a adequação legislativa por parte de todos os estados tornou-se um comando, não mais uma faculdade.
Por que o imposto vai subir?
A consequência imediata é um inevitável aumento da carga tributária sobre patrimônios mais elevados. Este movimento acontece em duas frentes:
Ajuste estadual:
Estados com alíquotas fixas já se movimentam para instituir faixas progressivas que tendem a alcançar o teto atual de 8%. O Projeto de Lei nº 7/2024, em São Paulo, é um exemplo dessa tendência.
Aumento do teto federal:
A percepção de que a tributação sobre heranças no Brasil é baixa em comparação internacional alimenta a pressão por um aumento ainda mais significativo. No Senado, o Projeto de Resolução nº 57/2019 propõe elevar a alíquota máxima do ITCMD de 8% para 16%.
A combinação da progressividade obrigatória com a pressão arrecadatória dos estados e a possível duplicação do teto federal cria uma janela de oportunidade estratégica que está se fechando.
Diferença entre alíquota fixa vs. progressiva:
Fixa: Um percentual único aplicado sobre o valor total do bem. Ex: 4% sobre qualquer valor.
Progressiva: O percentual aumenta conforme o valor do bem aumenta. Ex: 2% para bens até R$ 100 mil, 4% para o que exceder até R$ 500 mil, e assim por diante. O imposto final é maior para patrimônios maiores.
O momento de agir é agora
A mudança constitucional funcionou como um gatilho e, com isso, a tendência é que as alíquotas convirjam rapidamente para o limite máximo permitido. Por isso, a realização de doações de quotas ou outros ativos sob as regras atuais é uma alternativa interessante. A ação permite “travar” um custo tributário mais vantajoso, evitando um futuro aumento da carga tributária.
É crucial notar que, devido ao princípio da anterioridade tributária, uma nova lei estadual que aumente o imposto só entrará em vigor no ano seguinte ao de sua publicação. Isso define o prazo final da janela de oportunidade atual.
Contexto global e o desafio brasileiro
Para avaliar a real dimensão do aumento proposto para o ITCMD no Brasil, é fundamental situá-lo em um contexto global. Veja, por exemplo, o gráfico a seguir que apresenta as alíquotas máximas de imposto sobre herança no Brasil e em diversos países selecionados da OCDE:
A tabela revela que o Brasil figura entre os países com menor tributação sobre heranças. Essa característica, quando confrontada com a elevada taxa de desigualdade social observada no país em comparação aos demais membros da OCDE, intensifica o debate acerca da necessidade de elevação da carga tributária incidente sobre heranças. É importante notar que países com alíquotas reduzidas ou até mesmo inexistentes nesse tipo de tributo — como Noruega, Suécia e Portugal — apresentam, simultaneamente, níveis de desigualdade social significativamente inferiores aos registrados no Brasil.
Entretanto, a análise comparativa das alíquotas nominais exige cautela e profundidade. O caso dos Estados Unidos é especialmente relevante: embora a alíquota federal chegue a 40%, ela incide apenas sobre o que excede uma faixa de isenção altíssima, que em 2025 aproxima-se de 14 milhões de dólares por pessoa. Isso significa que um casal pode transmitir quase 28 milhões de dólares (mais de 140 milhões de reais) sem pagar nada de imposto federal sobre herança. Além das isenções, outros países desenvolvidos empregam uma vasta gama de mecanismos mitigadores, como deduções específicas para empresas familiares, isenções para a residência principal ou tratamento tributário privilegiado para o cônjuge sobrevivente. Essa complexa rede de proteção patrimonial contrasta com a realidade brasileira, onde as faixas de isenção são historicamente modestas e menos flexíveis.
Frequentemente, o debate público se limita a comparar alíquotas máximas, ignorando variáveis cruciais que definem a carga tributária efetiva, como as faixas de isenção, as regras de avaliação dos bens (valor de mercado vs. contábil) e as deduções permitidas.
O verdadeiro desafio no Brasil, portanto, emerge da dificuldade formada pela combinação de três fatores. O primeiro é a já mencionada progressividade compulsória, que pressiona as alíquotas para cima. O segundo, e talvez mais crítico, é a controversa exigência de apuração do imposto sobre a base de cálculo a valor de mercado. Na prática, um imóvel adquirido há décadas por um valor simbólico será tributado pelo seu valor atual, gerando uma obrigação fiscal desproporcional ao custo histórico do ativo e, muitas vezes, sem a liquidez necessária para seu pagamento. E, por fim, a realidade das faixas de isenção, que no Brasil são notavelmente baixas, fazendo com que o imposto deixe de ser uma preocupação exclusiva das famílias mais ricas para atingir o patrimônio de famílias de classe média e alta. Essa combinação torna a carga tributária efetiva no Brasil potencialmente mais onerosa e abrangente do que em muitos países com alíquotas nominais superiores.
Próximos passos
O ambiente do planejamento sucessório no Brasil tornou-se mais complexo nos últimos anos. Alterações legislativas relevantes, aliadas a uma crescente sofisticação na jurisprudência dos tribunais superiores — que vêm delimitando com maior rigor a validade e os limites das estratégias sucessórias —, têm exigido atenção redobrada. Soma-se a isso a tendência de elevação da carga tributária incidente sobre heranças e doações, impulsionada por pressões fiscais e por demandas sociais por maior justiça distributiva. Nesse contexto, o planejamento sucessório exige não apenas conhecimento técnico aprofundado, mas também constante atualização diante de um cenário jurídico e tributário em transformação.
Diante desse novo cenário, torna-se imprescindível a atuação de assessoria jurídica especializada, seja para a elaboração de um planejamento sucessório adequado, seja para a revisão de estratégias previamente adotadas, com o objetivo de assegurar a menor carga tributária possível, dentro dos limites legais.
Referências
BRASIL. Senado Federal. Projeto de Resolução n. 57, de 2019. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7965585&ts=1560782415981&disposition=inline [acesso em 08/04/2025]
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tema 21 – Repercussão Geral. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/tema.asp?num=21 [acesso em 09/04/2025].
COLE, Alan. Estate and Inheritance Taxes around the World. In: Tax Foundation, 17/03/2015. Disponível em: https://taxfoundation.org/research/all/federal/estate-and-inheritance-taxes-around-world/ [acesso em 10/04/2025].
ENACHE, Cristina. Estate, Inheritance, and Gift Taxes in Europe, 2025. In: Tax Foundation, 08/04/2025. Disponível em: https://taxfoundation.org/data/all/eu/estate-taxes-inheritance-taxes-gift-taxes-europe/ [acesso em 10/04/2025].
SÃO PAULO (Estado). Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Projeto de Lei n. 7, de 2024. Disponível em: https://www.doe.sp.gov.br/legislativo/expediente/projeto-de-lei-n-7-de-2024-202402022116695115437 [acesso em: 09/04/2025].